"Antigamente eu entrava nos lugares e me preocupava com o que as pessoas pensavam ao meu respeito....Hoje entro nos mesmos lugares e me pergunto o que eu penso a respeito das pessoas"
Há um poder, sutil e dissimulado, no meio da sociedade. É o poder da opinião alheia. Ela é capaz de pôr dúvidas nos mais bem intencionados. Ela é capaz de amedrontar os mais convictos. Ela é capaz de calar até aqueles que discursavam com intrepidez. Lya Luft discorreu sobre isso em seu excelente livro “perdas e ganhos”:
“A sociedade em que vivemos tem muitos olhos e braços, que nos vigiam e interferem em nossa realidade. Um deles chama-se opinião alheia. Não a de algumas pessoas amadas e respeitadas, mas essa entidade informe, onipresente, quase onipotente, do “o que eles vão pensar”. Sem pedir licença entra em nossa casa e nossa consciência, limitando, podando.” (pp 31)
Todos os dias estamos mergulhados em um dilema: realizar e buscar aquilo que nós cremos e sonhamos ou, render-nos aos sonhos e vontades de outros. De um lado, nossas convicções, vontades, desejos e percepções pessoais. Do outro, uma massa, chamada sociedade, que nos impõe o que é certo e aceitável para se buscar e sonhar. Ela, incansavelmente, nos remete mensagens sobre aquilo que devemos fazer e a forma como devemos nos portar.
É uma coerção que pode esconder muitas faces: ela acontece através de uma recriminação aberta quando somos confrontados verbalmente, mas ela tem outras faces, como um olhar de ironia, uma palavra dita no ouvido de alguém de onde surgem risos demonstrando desprezo por nossos atos. Outras vezes, toma proporções maiores como expulsão de alguma comunidade, de uma igreja, de uma associação e até de uma equipe esportiva (pouco tempo atrás, na última copa, um jogador foi impedido de jogar pelo seu técnico. O motivo: seu cabelo estava grande demais, desgostando o técnico).
São as interferências que colocam sobre nossas vidas, mesmo em questões de extrema privacidade, que tentam moldar-nos a fim de que sejamos “aceitáveis”. Com isso, não me refiro, em hipótese alguma, sobre questões onde tragam prejuízo ao outro. Nesses casos, a sociedade realmente precisa intervir. Refiro-me, porém, a pequenos gestos, gostos, vontades, estilos de vida, onde ninguém é prejudicado. Ou talvez sonhos que temos que ninguém mais precisa seguí-los caso não queiram.
A fim de conseguir êxito na sua coerção, a fim de conseguirem nos amoldar aos seus gostos e desejos, os manipuladores se utilizam de tantas artimanhas. Por exemplo, se um adolescente é tímido, recatado, tido, por isso, como “diferente” ou “estranho”, ele é coagido a mudar seu visual e postura através da rejeição. Rejeitam a ele, escanteiam-no, a fim de que se sinta complexado e impulsionado a ser igual aos outros. Com isso, ele rejeita quem ele é, na verdade, para buscar aprovação social. No futuro, ele terá que se redescobrir pois esqueceu-se de quem era para ser aquilo que desejavam que ele fosse.
Outro exemplo, nas igrejas cristãs, principalmente evangélicas: adota-se um conjunto de regras “não oficiais” morais a fim de que todos se sintam pressionados a serem e agirem daquela forma. Tudo isso geralmente estimulado pelo pastor ou padre em suas preleções, utilizando-se de sua figura pastoral para dizer coisas como “Deus não quer você usando essa roupa. Deus não quer você ouvindo esse tipo de música. Deus não quer você fazendo isso. Deus não quer você fazendo e usando isso que você faz. Não é vontade de Deus” E o pior de tudo é que a Bíblia, livro onde os cristãos se inspiram para sua vivência, não afirma absolutamente nada sobre estas coisas. Por fim, o líder religioso utiliza-se de um último recurso quando alguém diz a ele: “Mas, pastor (padre), isso não está na Bíblia !”. Ele, então, responde dizendo “Mas está escrito ‘Não escandalizeis’. E você está escandalizando”. E aí, o pobre coitado, manipulado, ultrajado em seu desejo e vontade, é forçado a amoldar-se aos outros; perdendo, assim, o direito de ser quem ele acredita que deveria ser.
Opinião alheia. É tão difícil conciliar esse poder oculto com nossos sonhos, projetos e desejos quando eles se chocam. Há tanta gente contida, domada, tratada como cãozinho adestrado, a fim de que ele simplesmente repita o que todos já fizeram, ou a fim de que ele apenas realize o que os outros desejam. Parece que só os líderes têm consciência, só eles sonham, só eles têm visões, só eles ouvem o Espírito Santo, só eles, os que regem, sabem ler e interpretar a realidade. Viola-se a consciência daqueles que acreditam que poderiam fazer aquilo que eles têm ouvido lá dentro no próprio coração. Como bem afirmou Mahatma Gandhi:
“Nas questões de consciência, a lei da Maioria não conta”
Eu o desafio a ouvir a voz interior que fala em sua vida. A sonhar sonhos jamais concebidos. A perceber caminhos que nunca foram trilhados. Por que vivemos aprisionados, como pássaros que nasceram para o céu, mas acostumados que estão com as gaiolas, sentem-se bem nelas, mesmo tendo poder de abrí-las para voar. Por que? Por que nos rendermos às vontades daqueles que têm vocações diferentes das nossas e, por essa razão, fazem de tudo para se utilizar das massas para, na verdade, usá-las para o cumprimento de seus próprios sonhos e projetos ambiciosos ?
Há, na sociedade, um processo semelhante ao que se faz com um animal selvagem nos circos. Eles são tirados de seus habitats naturais, desvirtuados de seus instintos e vontades, e passam por um processo que eles chamam de “domesticação”. Isso nada mais é do que fazer com ele perca sua essência a fim de amoldar-se aos caprichos do ser humano. Isso é maldade disfarçada de entretenimento. Isso é feito também conosco a cada dia, em cada espaço onde há hierarquia de posições, ou pela sociedade envolvente. Lya Luft afirma que:
“Queiram os deuses que nesse processo de domesticação a gente consiga preservar a capacidade de sonhar. Pois a utopia será o terreno da nossa liberdade. Ou acabaremos como focas treinadas cumprindo corretamente nossas tarefas, mas soterrando aquilo que chamamos psique, self, eu, ou simplesmente alma. Seremos roídos pela futilidade, tão mortal quanto a pior doença: ataca a alma, deixando-a porosa e quebradiça como certos esqueletos. A alma com osteoporose.” (pp 24)
Ouse ser quem você é. Ouse ser aquilo que você acredita que deva ser. Ouse fazer e realizar aquilo que você acredita que é sua vocação. Porém, não caminhe sozinho. Busque a Deus e também conselheiros, mentores. Não qualquer um. Apenas aqueles que são realmente sábios.
“Sair do estabelecido e habitual, mesmo ruim, é sempre pertubador.
O desejo de ser mais livre é forte. O medo de sair da situação conhecida, por pior que ela seja, pode ser maior ainda.”
Ouse caminhar para caminhos que só você pode trilhar, mesmo diante da incompreensão dos outros.
Com isso, julgamos perigoso o uso da mente e da auto-reflexão.
“Não gostamos de refletir e decidir: ‘se a gente parar para pensar, tudo desmorona’, me disse alguém. Temos receio de encontrar a ponta do fio dissimulada na confusão do novelo, e, puxando por ela, ver tudo se desmontar.
Mas pode ser positivo: poderíamos recolher os cacos e recomeçar. Quem sabe criar uma estrutura interior mais natural e boa do que essa em que nos fundamos, e baseados nela dar aos filhos um legado – e um recado – tranquilo e positivo, que não está em livros e nem em consultórios.” (Lya Luft, perdas e ganhos, pp 42)
Ouse sonhar e descobrir quem você é. Não se intimide a ir em busca de seus sonhos. Não seja apenas o que os outros desejam para você. Talvez você seja julgado como alguém esquisito, diferente, estranho. Mas, será feliz por ser você e não o que desejam que você seja. Será realizado por ter buscado o que crê e não por ter sido adestrado a buscar o que outros buscam.
Seja o que for, busque ser você, busque seus sonhos, caminhe os caminhos que estão propostos a você.
Jules Renard
Jules Renard
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