A relação mestre-discípulo
Uma relação mestre-discípulo, no Zen, uma relação
em que escolhemos alguém para ser nosso mestre na vida e essa escolha deve
demorar, não deve ser apressada.
Normalmente os alunos visitam vários lugares, ouvem
diferentes pessoas até encontrar um local onde se sentem conectados, se sentem
bem, sentem que aquele lugar fala ao seu coração, que aquele professor
especificamente está falando ao seu coração.
Depois de um tempo bastante variável, pode ser que
se estabeleça uma relação mestre-discípulo e nessa relação não existe uma
atitude crítica e, sim, uma aceitação ampla daquilo que está sendo ensinado,
com um mínimo de resistência.
Três características definem o discípulo: silente,
obediente e não resistente. Silente, significa que ele ouve e fecha sua boca, é
silencioso, mesmo que não concorde com algo, fecha sua boca na esperança de que
mais tarde entenda aquele ensinamento. Agora não entende, mas, não protesta, fica
silente.
Obediente significa que quando o mestre diz “Faça
isso!”, o discípulo vai e faz, não importa se a ordem é coerente ou não. Às
vezes, os mestres pedem coisas que parecem sem sentido, por exemplo: “Limpe
essa sala”, e o discípulo olha e a sala está imaculadamente limpa, mas ele vai
lá limpar. Significa que ele não protesta, nem pensa se tem sentido ou não
fazer aquela prática que o mestre está lhe pedindo. O discípulo não contesta,
ele simplesmente assume a tarefa.
Existem histórias de mestres do passado mandando o
discípulo construir uma torre e depois de pronta, desmontá-la, e depois
construir novamente. Numa célebre história isso acontece oito vezes. É preciso
ter plena consciência do que é obediência não resistente para pegar um regador
e ir regar o jardim sob a chuva, por exemplo. Evidentemente, todos podem se dar
conta de que tem que haver absoluta confiança na relação mestre-discípulo para
se fazer esse tipo de prática, porque ela, dentro de si mesma, tem riscos.
Normalmente, no Zen as instruções são de práticas
gerais.
São
instruções de prática ritual: “Faça assim!” – não há um espaço para questionamentos
do tipo “Por que quando o professor passa atrás de mim eu tenho que fazer
gasshō?”. Você tem que descobrir sozinho. Na relação mestre-discípulo, a
obediência ocupa um lugar central porque exige o abandono do pensamento
centrado em si mesmo, em seu ego.
“Não resistente” aparece frequentemente nos
mosteiros porque a palavra mais frequente utilizada pelos monges em treinamento
é “hai”, que significa “sim”. É a palavra que mais se ouve, porque a todo o
momento em que um veterano ou um mestre diz algo, você responde: “Hai!”. E você
diz sim para mil coisas, sempre sem protestar, sem apresentar uma nova
consideração ou uma opinião.
Uma ordem é dada: “Faça isso!”, e não existe espaço
para “Mas, por que eu de novo, por que não fulano?”. Isso é frequente em muitas
situações da vida, mas no mosteiro você aprende a dizer somente “Hai!” e
simplesmente realizar sua tarefa sem pensar. Por exemplo, digamos que amanhã é
esperada, segundo a previsão, muita neve, e é preciso que alguém acorde às três
horas da manhã para tirar a neve do caminho para que se possa chegar à sala de
meditação.
Então, os monges fulano, beltrano e cicrano foram os escolhidos. Qualquer um
poderia ter vontade de se dizer resfriado, ou que é velho, ou que já fez esta
tarefa ontem, ou ainda que é fraco, enfim, mil desculpas poderiam ser dadas,
mas, nada disso pode ser feito.
Os escolhidos simplesmente se levantam às três
horas e vão tirar a neve do caminho. Outro dia outros farão a tarefa e pode ser
que neve de novo justamente quando for novamente a sua vez! O sentido disso é
aceitação, nós temos que aceitar a vida como ela se apresenta, sem tentar mudar
as coisas que não podemos mudar, devemos simplesmente aceitar.
Quando o mestre está presente nós nos comportamos
com infinito respeito. Lembro-me de uma pergunta feita à Moriyama
Rōshi, sobre sua relação com seu professor, de mais de vinte anos:
“Como foi isso?”. Ele respondeu: “Durante vinte anos eu peguei seus
chinelos!”. Quando o mestre sai da sala, o aluno principal, o “Jisha”,
pega seus chinelos e os coloca na frente da porta, para que quando ele sair
seja mais fácil de calçá-los.
Não há gentileza que você não faça e isso faz parte
da prática espiritual. Você ouve todas as coisas com completa aceitação e
também você tem a postura respeitosa.
Na presença do mestre sempre se deve estar em
“shashu” ** jamais estar sentado se ele estiver de pé e não se deve
ensinar nada para alguém na presença do mestre, você só ensinará algo se ele
pedir.
É você que faz o mestre, não é ele que se faz, ele
só é mestre porque tem discípulo. Não é uma via de mão única, é uma via de mão
dupla. Você só consegue ter um mestre se você o vir como mestre. Se você não o
vir como mestre ele será uma pessoa comum.
Hai!
Autor: Reverendo Meihō
Genshō.
** Shashu, postura que se adota quando parado ou
em kinhin (“meditação” andando).
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