DEPRESSÃO
A depressão é a mais
caracteristicamente humana das doenças.
Jorge Alberto Costa e
Silva
A depressão
compõe, ao lado da ansiedade, da angústia e da mania, o conjunto daquilo que os
psiquiatras chamam distúrbios da afetividade. Tais distúrbios podem ser
entendidos como doenças em que a mudança
do estado de ânimo é a característica primária e dominante, apresentando-se
este estado de ânimo de forma relativamente fixa e permanente.
No caso da
depressão, a mudança do estado de ânimo consiste no surgimento de um sentimento
generalizado de tristeza, cujo grau pode variar desde um desalento moderado até
ao mais intenso desespero. A duração é igualmente variável, podendo desaparecer
em poucos dias ou estender-se por semanas, meses e até anos a fio.
A parcela da
população que, em todo o mundo, é vitimada pela depressão em alguma época da
vida é quase tão grande quanto a que é atingida pela ansiedade: pode chegar a
20%, na dependência do maior ou menor grau de rigor que se empregue no
diagnóstico. Dados recentes estimam que um em cada dez adultos, no mundo, sofre
de depressão, em um dado momento. Se considerada toda a vida das pessoas, isto
é, se incluirmos não apenas os que são deprimidos neste momento mas também
aqueles que foram ou virão a ser em alguma época da vida, o percentual
certamente será maior.
O crescente
aumento na prevalência da depressão _ particularmente no mundo ocidental _ faz
dela, ao lado da AIDS, a “doença do fim do século” e também a doença da moda.
Expressões como “estar na fossa”, de “baixo astral” ou “na maior deprê” já se
incorporaram à linguagem do dia-a-dia e são empregadas com inusitada
freqüência, particularmente entre adolescentes e adultos jovens.
É necessário,
entretanto, não confundir estados passageiros de melancolia com a verdadeira
depressão. A tristeza faz parte da vida, e dela não há quem não padeça em algum
momento, com ou sem algo concreto a motivá-la. Existem inclusive situações
diante das quais o anormal talvez fosse não ficar deprimido. É o caso, por exemplo,
da perda do emprego ou status social, do rompimento amoroso e da morte de uma
pessoa querida ou ainda da descoberta de que se é portador de uma doença grave.
A esse tipo de
depressão, que pode suceder a qualquer pessoa que seja vítima de algum dos eventos
citados, os médicos costumam chamar “depressão reativa” ou vivencial,
justamente por caracterizar uma reação “normal” à perda. Há, porém, limites,
tanto de intensidade quanto de duração, para a “normalidade” da reação. Tome-se
por exemplo, o caso do luto pela morte de uma pessoa querida, exemplo claro de
uma depressão reativa “normal”.
Imediatamente
após o óbito, duas coisas podem acontecer: um intenso desespero e tristeza ou
um certo alheamento como se a pessoa não percebesse, de pronto, toda a extensão
da perda sofrida.
Esse estado
pode durar de algumas horas até cerca de duas semanas, durante as quais alguns
podem não experimentar grande aflição ou angústia, ao passo que outros vivem
uma “sensação de torpor e incapacidade para avaliar quaisquer reações
emocionais”.
De repente, a pessoa como que
“cai na real” e, ao se dar conta de toda a extensão da perda sofrida, passa a
apresentar, em toda a sua plenitude, o quadro de depressão, com as mudanças de
comportamento e sintomas característicos.
Ao cabo de
duas a seis semanas, os sinais de depressão começam a declinar, e já serão
mínimas ou até inexistentes ao final do sexto mês. Esse é o padrão habitual e é
considerado “normal”. Há casos, porém, que extrapolam o padrão a exigir
tratamento. Nesses casos, a duração do quadro depressivo estende-se além dos
seis meses, ou, independentemente da duração, a intensidade é tal que leva a
pessoa a tentativas de suicídio, a isolar-se, de modo a ficar inacessível até
para parentes e amigos ou a incapacitada para o trabalho por um prazo superior
a duas semanas.
Existem duas
explicações possíveis para uma reação doentia de luto. A primeira tem a ver com
o próprio perfil psicológico da pessoa, sua maior ou menor tendência a
deprimir-se, e a perda, nesse caso, seria apenas o desencadeante de um quadro
que, mais dia, menos dia, iria desabrochar por si mesmo ou a pretexto de outra
perda qualquer. A segunda, de aceitação talvez mais difícil para a maioria das
pessoas, tem a ver com o sentimento de culpa que se alimente com relação a quem
morreu. Este, advindo da sensação consciente ou inconsciente de não ter amado o
falecido, de não ter feito por ele, enquanto vivo, tudo o que mereceria, de ter
sido injusto, mau ou tê-lo ofendido, é o pano de fundo do luto anormal ou patológico,
podendo ser causa, inclusive, de doenças orgânicas.
É bem
conhecido e tem sido descrito à exaustão o papel do luto como desencadeador de
um sem-número de doenças e até de mortes. Quantas vezes não ouvimos referências
a alguém que adoeceu ou morreu “de tristeza”, após a perda de um ente querido?
Está provado que, durante o segundo ou
terceiro ano da morte de alguém, registra-se entre os seus uma taxa de
mortalidade algo mais elevada do que seria
de se esperar. Isso é mais verdadeiro para quem perde um conjugue que
para quem perde outro familiar. Cerca de um em cada cinco viúvos de ambos os
sexos morrem no primeiro ano após a morte do conjuge. Dado interessante a
merecer estudos é a constatação de que essa mortalidade parece ser maior entre
os homens que entre as mulheres.
O que foi dito
aqui com relação ao luto vale, em linhas
gerais, para outras perdas. Assim, no caso das separações amorosas ou
conjugais, por exemplo, também há limites de intensidade e duração para
aceitação da “normalidade” da depressão.
O mesmo se
pode dizer da perda de emprego, status ou reputação social. No primeiro caso,
enquanto o indivíduo estiver desempregado, é óbvio que, até por razões de ordem
prática ligadas à sobrevivência, tenderá a ficar deprimido. No segundo caso, a
intensidade da depressão terá muito a ver com a importância que o
reconhecimento externo tem para a pessoa que sofreu a perda. Em qualquer caso,
o “normal” é que, tal como no luto, após algum tempo “se dê a volta por cima” e
se retorne ao ritmo habitual de vida.
O componente
individual e cultural da depressão
Os quadros de
depressão instalam-se sempre, acreditam os psiquiatras, em conseqüência de uma
sensação de perda. Estão aparentemente ligados, pois, como vimos acima, a
perdas materiais ou afetivas. Neste último caso, não é obrigatório que
efetivamente se “perca” alguém por morte ou separação. A sensação pode advir de
um sentimento de decepção em relação aos outros ou até em relação a si mesmo.
Na grande maioria dos casos, talvez na totalidade, os estado depressivos
associam-se a um rebaixamento da auto-estima, com maior ou menor grau de perda
ou abalo da imagem idealizada que se tenha de si mesmo.
Os mais
céticos (ou realistas) costumam dizer que a vida é uma secessão de perdas, e
isso valeria para todos nós. O que diferencia, isto é, o que faz com que a
maioria de nós não entremos em depressão, é a forma pela qual cada um lida com
as perdas e, é óbvio, com a real magnitude delas na vida de cada um. Na
percepção de tal magnitude, por conseguinte, entra em jogo um importante
componente subjetivo, individual, que, por seu turno, dependerá não apenas da
personalidade e do psiquismo do indivíduo mas também das influências do meio
sócio-cultural em que ele vive.
A partir da
percepção da perda, ou o indivíduo a assimila e com ela convive, ou entra em depressão. A
“escolha” de uma dessas alternativas dependerá tanto dos fatores biológicos de
sua constituição como do grau de coesão do ego, e ainda de sua capacidade
psíquica / emocional de “elaborar” o sofrimento. O fator constitucional
(biológico), de origem genética parece predominar nas chamadas depressões
bipolares, como é o caso da psicose maníaco-depressiva, na qual o indivíduo
alterna períodos de grande euforia (mania) com profunda tristeza. Nas outras formas
de depressão, parecem predominar os fatores ligados à personalidade e ao
psiquismo e à interação destes com o meio em que a pessoa vive.
Como já
salientamos anteriormente, todos temos “um ponto de ruptura” até onde somos
capazes de suportar o sofrimento e / ou a frustração, sem que algo de mais
grave nos aconteça. Esse limite parece ter muito a ver com a coesão interior.
Um ego frágil, evidentemente, rompe-se com maior facilidade. Além disso, também
intimamente ligada ao psiquismo do indivíduo está a referida capacidade de
“elaborar” o sofrimento. Em verdade, o sofrimento, se bem trabalhado, enriquece
a pessoa. Por essa razão, em ocorrendo a perda, não há por que negá-la ou negar
o sofrimento que provoca, ou fugir desse sofrimento. A dor tem de ser “sentida” e esgotada, além de assumida, pois só assim será vencida e amadurecerá a pessoa.
Não é, pois, aconselhável a tendência que quase todos temos de evitar falar de
um falecido a alguém que esteja de luto por ele, ou evitar circunstâncias que o
lembrem. O mesmo vale no caso das desilusões amorosas: longe de desviar-se o
assunto, ele deve ser objeto de conversas e de vivências, até que se esgote por
inteiro.
Uma observação
interessante e passível de polêmica: o deprimido fica como que “anestesiado” afetivamente
e, de certa forma, imune a sofrimentos adicionais. Sendo assim, quando alguém
está deprimido, é a ocasião mais propícia para lhe dar más notícias, ao
contrário do que habitualmente se pensa e faz.
A partir do
momento em que se instala a depressão, sua maior ou menor duração e até sua
gravidade e conseqüências nocivas para a pessoa dependerão também dos mesmos
três fatores citados: o biológico, a coesão e o eu e a capacidade de
elaboração. A depressão não resolvida pode resultar em doenças orgânicas, em
suicídio, ou persistir, implicando graus variáveis de incapacidade do
indivíduo, mas acarretando sempre um comprometimento de sua alegria de viver.
Os sintomas
da depressão
A conceituação
a um só tempo mais sintética e
abrangente da depressão levaria a defini-la como a incapacidade de sentir
prazer, associada à absoluta falta de vontade de viver. É justamente essa
“falta de vontade de viver” _ que não significa necessariamente desejo de
morrer _ que ajuda a distinguir a verdadeira depressão da “fossa”, do “baixo
astral”, da “deprê” e da melancolia que vez por outra, com ou sem motivo
consciente, assalta a todos nós.
Didaticamente,
os sintomas da depressão podem assim se agrupar: as alterações do humor, a lentidão das
ações/reações psíquicas e de movimentação e os sintomas físicos propriamente
ditos.
No primeiro
grupo, do humor, sobressai, como já salientamos, a tristeza, com profundos
sentimentos de desvalorização de si mesmo, acompanhados ou não de sentimentos
de culpa. O suicídio é um risco, como veremos e deve ser a principal
preocupação de quem cerca ou trata o paciente.
O segundo
grupo, o da lentidão psicomotora, caracteriza-se, como a própria denominação
informa, por um amortecimento generalizado nas atitudes, na capacidade de
raciocínio, nas reações emocionais, no andar, na gesticulação, etc.
Do ponto de
vista psíquico, o deprimido caracteriza-se por enorme dificuldade de raciocínio
e concentração. São pessoas que, embora anteriormente habituadas à leitura,
passam de repente a não conseguir mais compreender e fixar o que lêem; são
forçadas a ler até três vezes ou mais cada parágrafo, antes de conseguir captar
a mensagem
Outro aspecto
importante, ainda no campo da lentidão psíquica, é a inibição afetiva. O indivíduo sente-se
incapacitado para o intercâmbio afetivo / emocional com as outras pessoas,
sendo comuns comentários do tipo “Tenho a impressão de não gostar de ninguém”.
Instala-se uma certa indiferença para com os outros e com o mundo e em relação
ao futuro, como se igualmente estivesse perdida sua capacidade de fazer
projetos e acalentar sonhos.
Segundo
Roilhon, são
justamente esses aspectos de lentidão psico / afetiva que mais distinguiriam a
depressão-doença da tristeza normal. Além disso, há também o terceiro grupo de
sintomas, constituído pelas alterações físicas ou somáticas. Três disturbios,
no entanto, são os mais significativos: distúrbios do sono, a falta de apetite
e o mau funcionamento do intestino, particularmente a constipação intestinal.
O sono é,
talvez, o mais precoce e intensamente atingido, a tal ponto que se deve colocar
em dúvida o diagnóstico de depressão se a pessoa estiver dormindo bem. A
insônia do deprimido e, na maioria das vezes, terminal, isto é, a pessoa acorda
bem antes do horário habitual de despertar e não consegue dormir mais. Pode,
porém, ser do tipo mais clássico: dificuldade de conciliar o sono ao deitar. Os
distúrbios do sono geram por si só, muita
ansiedade, isto é, a pessoa já vai se deitar preocupada com a perspectiva de
não conseguir dormir, ou não fazê-lo a noite toda, o que, por si só,já
dificulta o sono. Ao despertar, sente-se cansada, exatamente com a sensação de
não ter dormido bem.
Além do sono,
também o apetite fica perturbado. Na maioria das vezes o que há é inapetência,
isto é, a pessoa não tem vontade de comer. Mais raramente, no entanto, pode
haver um apetite exagerado, uma verdadeira compulsão para comer. E por fim, a
questão do funcionamento do intestino. Embora possa haver diarréia, o mais
comum, de longe, é que haja constipação intestinal. É possível que, na gênese
do distúrbio, se encontrem erros alimentares e mesmo “falta de tempo” para
freqüentar a privada com regularidade; mas, não tenho dúvidas, a principal
razão reside nos distúrbios psíquicos, a ansiedade e depressão entre eles.
A respeito dos
três aspectos discutidos, costumo dizer que dificilmente alguém que apresente,
sem o auxílio de remédios, sono, apetite e trânsito intestinal normais, estará
padecendo de alguma doença ou sofrimento. Será certamente alguém feliz e saudável.
*Compilado do
Livro: “Quem ama não adoece”
Autor: Dr Marco Aureliio Dias Silva
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