quinta-feira, 2 de abril de 2015

DEPRESSÃO

DEPRESSÃO



A depressão é a mais caracteristicamente humana das doenças.

Jorge Alberto Costa e Silva





A depressão compõe, ao lado da ansiedade, da angústia e da mania, o conjunto daquilo que os psiquiatras chamam distúrbios da afetividade. Tais distúrbios podem ser entendidos  como doenças em que a mudança do estado de ânimo é a característica primária e dominante, apresentando-se este estado de ânimo de forma relativamente fixa e permanente.



No caso da depressão, a mudança do estado de ânimo consiste no surgimento de um sentimento generalizado de tristeza, cujo grau pode variar desde um desalento moderado até ao mais intenso desespero. A duração é igualmente variável, podendo desaparecer em poucos dias ou estender-se por semanas, meses e até anos a fio.



A parcela da população que, em todo o mundo, é vitimada pela depressão em alguma época da vida é quase tão grande quanto a que é atingida pela ansiedade: pode chegar a 20%, na dependência do maior ou menor grau de rigor que se empregue no diagnóstico. Dados recentes estimam que um em cada dez adultos, no mundo, sofre de depressão, em um dado momento. Se considerada toda a vida das pessoas, isto é, se incluirmos não apenas os que são deprimidos neste momento mas também aqueles que foram ou virão a ser em alguma época da vida, o percentual certamente será maior.





O crescente aumento na prevalência da depressão _ particularmente no mundo ocidental _ faz dela, ao lado da AIDS, a “doença do fim do século” e também a doença da moda. Expressões como “estar na fossa”, de “baixo astral” ou “na maior deprê” já se incorporaram à linguagem do dia-a-dia e são empregadas com inusitada freqüência, particularmente entre adolescentes e adultos jovens.



É necessário, entretanto, não confundir estados passageiros de melancolia com a verdadeira depressão. A tristeza faz parte da vida, e dela não há quem não padeça em algum momento, com ou sem algo concreto a motivá-la. Existem inclusive situações diante das quais o anormal talvez fosse não ficar deprimido. É o caso, por exemplo, da perda do emprego ou status social, do rompimento amoroso e da morte de uma pessoa querida ou ainda da descoberta de que se é portador de uma doença grave.



A esse tipo de depressão, que pode suceder a qualquer pessoa que seja vítima de algum dos eventos citados, os médicos costumam chamar “depressão reativa” ou vivencial, justamente por caracterizar uma reação “normal” à perda. Há, porém, limites, tanto de intensidade quanto de duração, para a “normalidade” da reação. Tome-se por exemplo, o caso do luto pela morte de uma pessoa querida, exemplo claro de uma depressão reativa “normal”.




Imediatamente após o óbito, duas coisas podem acontecer: um intenso desespero e tristeza ou um certo alheamento como se a pessoa não percebesse, de pronto, toda a extensão da perda sofrida.



Esse estado pode durar de algumas horas até cerca de duas semanas, durante as quais alguns podem não experimentar grande aflição ou angústia, ao passo que outros vivem uma “sensação de torpor e incapacidade para avaliar quaisquer reações emocionais”.  De repente, a pessoa como que “cai na real” e, ao se dar conta de toda a extensão da perda sofrida, passa a apresentar, em toda a sua plenitude, o quadro de depressão, com as mudanças de comportamento e sintomas característicos.



Ao cabo de duas a seis semanas, os sinais de depressão começam a declinar, e já serão mínimas ou até inexistentes ao final do sexto mês. Esse é o padrão habitual e é considerado “normal”. Há casos, porém, que extrapolam o padrão a exigir tratamento. Nesses casos, a duração do quadro depressivo estende-se além dos seis meses, ou, independentemente da duração, a intensidade é tal que leva a pessoa a tentativas de suicídio, a isolar-se, de modo a ficar inacessível até para parentes e amigos ou a incapacitada para o trabalho por um prazo superior a duas semanas.



Existem duas explicações possíveis para uma reação doentia de luto. A primeira tem a ver com o próprio perfil psicológico da pessoa, sua maior ou menor tendência a deprimir-se, e a perda, nesse caso, seria apenas o desencadeante de um quadro que, mais dia, menos dia, iria desabrochar por si mesmo ou a pretexto de outra perda qualquer. A segunda, de aceitação talvez mais difícil para a maioria das pessoas, tem a ver com o sentimento de culpa que se alimente com relação a quem morreu. Este, advindo da sensação consciente ou inconsciente de não ter amado o falecido, de não ter feito por ele, enquanto vivo, tudo o que mereceria, de ter sido injusto, mau ou tê-lo ofendido, é o pano de fundo do luto anormal ou patológico, podendo ser causa, inclusive, de doenças orgânicas.





É bem conhecido e tem sido descrito à exaustão o papel do luto como desencadeador de um sem-número de doenças e até de mortes. Quantas vezes não ouvimos referências a alguém que adoeceu ou morreu “de tristeza”, após a perda de um ente querido? Está provado que, durante o segundo  ou terceiro ano da morte de alguém, registra-se entre os seus uma taxa de mortalidade algo mais elevada do que seria  de se esperar. Isso é mais verdadeiro para quem perde um conjugue que para quem perde outro familiar. Cerca de um em cada cinco viúvos de ambos os sexos morrem no primeiro ano após a morte do conjuge. Dado interessante a merecer estudos é a constatação de que essa mortalidade parece ser maior entre os homens que entre as mulheres.



O que foi dito aqui com relação ao luto vale, em  linhas gerais, para outras perdas. Assim, no caso das separações amorosas ou conjugais, por exemplo, também há limites de intensidade e duração para aceitação da “normalidade” da depressão.



O mesmo se pode dizer da perda de emprego, status ou reputação social. No primeiro caso, enquanto o indivíduo estiver desempregado, é óbvio que, até por razões de ordem prática ligadas à sobrevivência, tenderá a ficar deprimido. No segundo caso, a intensidade da depressão terá muito a ver com a importância que o reconhecimento externo tem para a pessoa que sofreu a perda. Em qualquer caso, o “normal” é que, tal como no luto, após algum tempo “se dê a volta por cima” e se retorne ao ritmo habitual de vida.







O componente individual e cultural da depressão



Os quadros de depressão instalam-se sempre, acreditam os psiquiatras, em conseqüência de uma sensação de perda. Estão aparentemente ligados, pois, como vimos acima, a perdas materiais ou afetivas. Neste último caso, não é obrigatório que efetivamente se “perca” alguém por morte ou separação. A sensação pode advir de um sentimento de decepção em relação aos outros ou até em relação a si mesmo. Na grande maioria dos casos, talvez na totalidade, os estado depressivos associam-se a um rebaixamento da auto-estima, com maior ou menor grau de perda ou abalo da imagem idealizada que se tenha de si mesmo.



Os mais céticos (ou realistas) costumam dizer que a vida é uma secessão de perdas, e isso valeria para todos nós. O que diferencia, isto é, o que faz com que a maioria de nós não entremos em depressão, é a forma pela qual cada um lida com as perdas e, é óbvio, com a real magnitude delas na vida de cada um. Na percepção de tal magnitude, por conseguinte, entra em jogo um importante componente subjetivo, individual, que, por seu turno, dependerá não apenas da personalidade e do psiquismo do indivíduo mas também das influências do meio sócio-cultural em que ele vive.



A partir da percepção da perda, ou o indivíduo a assimila e com ela convive, ou entra em depressão. A “escolha” de uma dessas alternativas dependerá tanto dos fatores biológicos de sua constituição como do grau de coesão do ego, e ainda de sua capacidade psíquica / emocional de “elaborar” o sofrimento. O fator constitucional (biológico), de origem genética parece predominar nas chamadas depressões bipolares, como é o caso da psicose maníaco-depressiva, na qual o indivíduo alterna períodos de grande euforia (mania) com profunda tristeza. Nas outras formas de depressão, parecem predominar os fatores ligados à personalidade e ao psiquismo e à interação destes com o meio em que a pessoa vive.





Como já salientamos anteriormente, todos temos “um ponto de ruptura” até onde somos capazes de suportar o sofrimento e / ou a frustração, sem que algo de mais grave nos aconteça. Esse limite parece ter muito a ver com a coesão interior. Um ego frágil, evidentemente, rompe-se com maior facilidade. Além disso, também intimamente ligada ao psiquismo do indivíduo está a referida capacidade de “elaborar” o sofrimento. Em verdade, o sofrimento, se bem trabalhado, enriquece a pessoa. Por essa razão, em ocorrendo a perda, não há por que negá-la ou negar o sofrimento que provoca, ou fugir desse sofrimento. A dor tem de ser “sentida”  e esgotada, além de assumida, pois  só assim será vencida e amadurecerá a pessoa. Não é, pois, aconselhável a tendência que quase todos temos de evitar falar de um falecido a alguém que esteja de luto por ele, ou evitar circunstâncias que o lembrem. O mesmo vale no caso das desilusões amorosas: longe de desviar-se o assunto, ele deve ser objeto de conversas e de vivências, até que se esgote por inteiro.



Uma observação interessante e passível de polêmica: o deprimido fica como que “anestesiado” afetivamente e, de certa forma, imune a sofrimentos adicionais. Sendo assim, quando alguém está deprimido, é a ocasião mais propícia para lhe dar más notícias, ao contrário do que habitualmente se pensa e faz.



A partir do momento em que se instala a depressão, sua maior ou menor duração e até sua gravidade e conseqüências nocivas para a pessoa dependerão também dos mesmos três fatores citados: o biológico, a coesão e o eu e a capacidade de elaboração. A depressão não resolvida pode resultar em doenças orgânicas, em suicídio, ou persistir, implicando graus variáveis de incapacidade do indivíduo, mas acarretando sempre um comprometimento de sua alegria de viver.





Os sintomas da depressão



A conceituação a um só tempo mais sintética  e abrangente da depressão levaria a defini-la como a incapacidade de sentir prazer, associada à absoluta falta de vontade de viver. É justamente essa “falta de vontade de viver” _ que não significa necessariamente desejo de morrer _ que ajuda a distinguir a verdadeira depressão da “fossa”, do “baixo astral”, da “deprê” e da melancolia que vez por outra, com ou sem motivo consciente, assalta a todos nós.


Didaticamente, os sintomas da depressão podem assim se agrupar:  as alterações do humor, a lentidão das ações/reações psíquicas e de movimentação e os sintomas físicos propriamente ditos.


No primeiro grupo, do humor, sobressai, como já salientamos, a tristeza, com profundos sentimentos de desvalorização de si mesmo, acompanhados ou não de sentimentos de culpa. O suicídio é um risco, como veremos e deve ser a principal preocupação de quem cerca ou trata o paciente.




O segundo grupo, o da lentidão psicomotora, caracteriza-se, como a própria denominação informa, por um amortecimento generalizado nas atitudes, na capacidade de raciocínio, nas reações emocionais, no andar, na gesticulação, etc.


Do ponto de vista psíquico, o deprimido caracteriza-se por enorme dificuldade de raciocínio e concentração. São pessoas que, embora anteriormente habituadas à leitura, passam de repente a não conseguir mais compreender e fixar o que lêem; são forçadas a ler até três vezes ou mais cada parágrafo, antes de conseguir captar a mensagem



Outro aspecto importante, ainda no campo da lentidão psíquica, é a  inibição afetiva. O indivíduo sente-se incapacitado para o intercâmbio afetivo / emocional com as outras pessoas, sendo comuns comentários do tipo “Tenho a impressão de não gostar de ninguém”. Instala-se uma certa indiferença para com os outros e com o mundo e em relação ao futuro, como se igualmente estivesse perdida sua capacidade de fazer projetos e acalentar sonhos.



Segundo Roilhon, são justamente esses aspectos de lentidão psico / afetiva que mais distinguiriam a depressão-doença da tristeza normal. Além disso, há também o terceiro grupo de sintomas, constituído pelas alterações físicas ou somáticas. Três disturbios, no entanto, são os mais significativos: distúrbios do sono, a falta de apetite e o mau funcionamento do intestino, particularmente a constipação intestinal.





O sono é, talvez, o mais precoce e intensamente atingido, a tal ponto que se deve colocar em dúvida o diagnóstico de depressão se a pessoa estiver dormindo bem. A insônia do deprimido e, na maioria das vezes, terminal, isto é, a pessoa acorda bem antes do horário habitual de despertar e não consegue dormir mais. Pode, porém, ser do tipo mais clássico: dificuldade de conciliar o sono ao deitar. Os distúrbios do sono geram por si  só, muita ansiedade, isto é, a pessoa já vai se deitar preocupada com a perspectiva de não conseguir dormir, ou não fazê-lo a noite toda, o que, por si só,já dificulta o sono. Ao despertar, sente-se cansada, exatamente com a sensação de não ter dormido bem.


Além do sono, também o apetite fica perturbado. Na maioria das vezes o que há é inapetência, isto é, a pessoa não tem vontade de comer. Mais raramente, no entanto, pode haver um apetite exagerado, uma verdadeira compulsão para comer. E por fim, a questão do funcionamento do intestino. Embora possa haver diarréia, o mais comum, de longe, é que haja constipação intestinal. É possível que, na gênese do distúrbio, se encontrem erros alimentares e mesmo “falta de tempo” para freqüentar a privada com regularidade; mas, não tenho dúvidas, a principal razão reside nos distúrbios psíquicos, a ansiedade e depressão entre eles.



A respeito dos três aspectos discutidos, costumo dizer que dificilmente alguém que apresente, sem o auxílio de remédios, sono, apetite e trânsito intestinal normais, estará padecendo de alguma doença ou sofrimento. Será certamente alguém feliz e saudável.



*Compilado do Livro: “Quem ama não adoece”

 Autor:                   Dr Marco Aureliio Dias Silva









Nenhum comentário:

Postar um comentário

Mais Visitados

CIDADE FANTASMA

     Um grupo de viajantes, tendo ouvido falar de uma cidade cheia de tesouros, parte para enfrentar uma difícil jornada.  Para che...